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Até quando?


Guarulhos, 17 de junho de 2024.

Luzimar Soares*



Nos últimos dias, algumas pautas tomaram conta dos noticiários nacionais, e a mais importante para mim, trata-se da nova investida da extrema direita e dos neopentecostais contra os direitos das mulheres, mas especialmente contra os direitos de meninas e adolescentes que são cotidianamente vítimas de violência sexual no Brasil.



Crédito da imagem: Agência Senado.


Qualquer pesquisa feita na internet traz dados espantosos sobre os números da violência sexual no nosso país. Vinculada em vários sites de noticias e redes televisivas, a noticia de um pai que abusou da filha internada numa UTI é de tanta sordidez que parece até filme de terror, mas infelizmente é muito real. De acordo com matéria publicada pela CNN, temos a seguinte situação:


De acordo com a delegacia que investigou o caso, em São Bernardo do Campo, a vítima é uma menina de 17 anos, que estava internada em estado grave na UTI, com quadro de paralisia cerebral, em tratamento para pneumonia. Durante um dos períodos de visita, o pai da paciente foi flagrado por enfermeiras do hospital enquanto, segundo estas colaboradoras, acariciava “de forma libidinosa” os seios e a genital de sua filha. O ato foi gravado pelas testemunhas. O caso foi denunciado à polícia pela equipe do hospital. Após oitivas e cumprimento de mandados de busca e apreensão, o homem foi preso temporariamente.

Como podemos classificar a atitude desse ser energúmeno que, durante a convalescência da filha, impossibilitada de falar, portanto, sem capacidade de pedir socorro, a agride sexualmente? Como uma mulher/menina se protege desse modelo de sociedade que coloca a mulher de maneira tão objetificada que nem em um leito de hospital ela está segura? Como escapar das garras de uma sociedade misógina? Sim, uma sociedade, porque os abusadores se sentem protegidos pela lei.


E, por falar em lei, eis que os extremistas de direita que se dizem a favor da vida e por conseguinte contra o aborto, propõem uma lei que “garante a vida”. Ora de que vida estamos falando? O PL 1904 / 2024 de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante PL – RJ, mas que também foi assinado por muitos outros deputados entre eles algumas mulheres, , propõe a preservação da vida, mas do feto, não da mulher /menina/adolescente que foi estuprada, vilipendiada, usurpada, teve seu corpo violentado em todos os sentidos e da maneira mais sórdida. Mulheres/meninas/adolescentes, que mutiladas emocionalmente, fragilizadas por tamanha brutalidade, não conseguem pedir ajuda, escondem a barriga e muitas vezes, sequer conseguem conceber que o que estava acontecendo com seu corpo em um processo de uma gestação. Quando finalmente conseguem encontrar um lugar onde consigam efetuar de maneira segura um aborto, serão punidas e mandadas para a cadeia por 20 anos.



Crédito da imagem: Agência Brasil.


Isso não é apenas criminalizar o aborto, isso é acima de tudo, mais uma vez legislar sobre o corpo feminino, tripudiar e retirar direitos das mulheres, e menosprezar a capacidade feminina de cuidar das próprias decisões. É usar o Estado como disciplinador, mas muito pior é unir Estado ao agressor e assim, açambarcar por completo a liberdade feminina.


O que justifica tanto ódio pela mulher? De onde surge esse medo de que  as mulheres tenham o direito de decidir sobre seus corpos? Somos violentadas todos os dias. A fundação Abrinq tem em seu site uma tabela que reproduzo abaixo, nela, é possível verificar os números da violência sexual no Brasil:



Proporção de notificações de violência e exploração sexuais segundo grupo etário.

Fonte: Fundação Abrinq.



Tudo fica mais cruel ainda quando é analisado onde essa violência acontece. Ela acontece dentro das casas, por parentes próximos, como no caso da adolescente de São Bernardo do Campo internada e violentada pelo pai. Na análise dos dados, a Abrinq apresenta o seguinte:


O Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2024 também identificou que, entre as notificações de violência sexual ocorrida contra crianças e adolescentes, a maioria das vítimas são do sexo feminino. Em 2022, foi constatado que as meninas abusadas corresponderam a 87,7% dos casos de violação ocorridos no país. Além disso, a publicação verificou dados interessantes sobre a localidade em que a violência ocorre: em 68,7% dos casos, ou seja, na maior parte, o abuso ocorreu no ambiente residencial. Outros locais relevantes são a escola e as vias públicas, que figuraram em 3,9% e 5,3% das notificações em 2022, respectivamente.

Todo o cenário criado através de leis coloca as mulheres, mas especialmente as meninas como um pedaço de carne que pode ser devorado por predadores que usa os corpos dessas meninas para literalmente gozar a vida e ainda contarem vantagem que pegaram uma “novinha”. Se questionados ainda dizem: mas ela queria, estava usando uma roupinha, não aguentei.


A malevolência desse projeto de lei é tão dantesca que podemos nos equiparar a um estado totalitário e teocrático, onde os diretos civis são ditados pelas religiões, mas, que conveniente, só agride os direitos das mulheres. Todavia, precisamos encarar isso com a seriedade necessária. O deputado propositor, fez a seguinte declaração: "O presidente mandou uma carta aos evangélicos na campanha dizendo ser contra o aborto. Queremos ver se ele vai vetar. Vamos testar Lula".


Testar o Presidente do país usando uma proposta de lei que vilipendia a vida das mulheres é de tal baixeza que só poderia vir da extrema direita, de pessoas que não têm nenhuma humanidade e que vivem nos seus “castelos” cercados de mordomias, mordomias essas pagas pelos contribuintes, que em sua maioria são mulheres, haja vista que somos a maioria da população. Colocar nossas vidas, ou seja, a vida das mulheres como moeda de troca, é vil, sujo, vulgar, desprezível, hediondo, ordinário, abjeto, ignóbil, sórdido, sujo, tenebroso, torpe, e é típico da extrema direita, ignorante, machista, misógina e truculenta.


Enquanto mulher, vítima cotidianamente de machismo, de misoginia, repudio veementemente esse projeto de lei, desprezo esse pensamento tacanho e torço para que nossa sociedade evolua e respeite o direito das pessoas. E sim, luto pelo direito a vida, a vida da vítima.


Até quando nossos corpos serão moedas de trocas para políticos inescrupulosos? Talvez até que nos insurjamos. Somos a maioria numérica, que sejamos a maioria a legislar. Por mais mulheres na política com consciência de direitos femininos.

Aproveito para compartilhar o vídeo "O PL do Estupro e a História" publicado no canal do Youtube do professor e historiador Francisco Carlos Teixeira da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É uma aula de história sobre a violência contra as mulheres, algo que não é recente, aliás, faz parte da formação sociocultural do nosso país. Então, até quando podemos naturalizar a violência contra as mulheres?




 Canal Chico Teixeira. Link: https://www.youtube.com/watch?v=p9IV5wMAfmo



Referências:


ABRINQ. Combate ao abuso e à exploração sexual infantil. O que nós podemos fazer para combater? Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/blog/combate-ao-abuso-e-a-exploracao-sexual-infantil. Acesso em: 15 jun. 2024.




*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).


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