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Foto do escritorLuciene Carris

O Barão de Rio Branco e a jovem república brasileira no final dos Oitocentos

Rio de Janeiro, 22 de abril de 2023.

Luciene Carris*


No dia 20 de abril, foi celebrado o aniversário de nascimento de José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), mais conhecido como Barão do Rio Branco, figura emblemática da história diplomática brasileira. Filho do visconde José Maria da Silva Paranhos e de Teresa de Figueiredo Faria, ele se destacou como advogado, político, jornalista e diplomata, tendo consolidado as fronteiras do território brasileiro na sua gestão à frente do Ministério das Relações Exteriores entre 1902 e 1912.



Crédito da Imagem: RICUPERO, Rubens.

José Maria Paranhos Junior, Barão do Rio Branco: Uma biografia fotográfica, p. 42.



Em 1893, o Barão do Rio Branco estava em Liverpool, quando foi convidado para defender o Brasil no litígio com a Argentina, conhecido como a “Questão de Palmas”. Na Inglaterra, ele atuava como cônsul-geral do Brasil desde 1876. Este era um posto importante, já que a cidade abrigava o principal porto comercial do país e um dos maiores da Europa, pelo qual era transportado o café brasileiro para outros países, além de manufaturas produzidas na região. Até meados do século XIX, os consulados brasileiros ficavam nos portos, onde navios com cargas chegavam e saíam. O cônsul tinha o encargo de legalizar os documentos e cobrar uma taxa sobre o percentual da carga, geralmente utilizada para a manutenção do consulado e do pessoal. Os consulados existentes situavam-se em cidades como Havre, Sevilha, Nápoles, Gênova, Veneza e Antuérpia. Com a chegada da República, o Barão também assumiu o Serviço de Imigração, órgão responsável pelo controle da emigração para o Brasil.


Crédito da Imagem: RICUPERO, Rubens.

José Maria Paranhos Junior, Barão do Rio Branco: Uma biografia fotográfica, p. 132.


Mesmo estando no exterior por um longo período, o Barão mantinha-se informado sobre os últimos acontecimentos do Brasil por meio de jornais e correspondências com seus compatriotas. Além disso, ele tinha uma relação próxima com a imprensa da época, sendo colaborador, jornalista e correspondente em diferentes jornais e revistas, como o periódico francês L’Illustration e o Jornal do Brasil. Assim, escreveu sobre temas importantes relacionados ao Brasil, publicando notas ou artigos sob a forma de pseudônimos ou assinados.


Com o objetivo de levantar documentação necessária para a redação da exposição de motivos do Brasil, o Barão estabeleceu contato com representantes de legações diplomáticas em outros países e com responsáveis por bibliotecas e arquivos históricos na França, Inglaterra, Portugal, Espanha e Estados Unidos. Em abril de 1893, visitou instituições como o Museu Britânico em Londres, a Seção de Cartas da Biblioteca Nacional de Paris, o Depósito de Cartas e Plano da Marinha e o Depósito Geográfico do Ministério das Negócios Estrangeiros da França. O Barão enviou uma carta confidencial para seu amigo, o ministro do Brasil em Lisboa, César Viana de Lima, expressando surpresa com sua nomeação e súbita viagem aos Estados Unidos, já que isso o afastaria de sua família. Nas suas palavras:


(...) esta viagem é para mim um grande transtorno, porque vou para muito longe da minha família e terei de romper com hábitos que adquiri durante muitos anos de vida retraída. Mas não pude recusar o convite que me foi feito para colaborar no desfecho, tratado por meu pai em 1857, pois conhecendo o assunto como conheço (...) eu não tinha o direito de recusar-me por mo­tivo de comodidade pessoal, desde que essa comissão é temporária e apenas durará alguns meses (Carta de 10 de maio de 1893).


No período logo após sua nomeação, o Barão do Rio Branco também se dedicou a escrever cartas para os representantes das outras legações no exterior. Em uma carta para o secretário da legação no Vaticano, Henrique Carlos Ribeiro Lisboa, ele informou que tinha pouco tempo para coletar os livros, mapas e outros documentos necessários. Depois de pesquisar nos arquivos do Museu Britânico e da Biblioteca Nacional de Paris e entrar em contato com outros arquivos, incluindo o Ministério dos Negócios Estrangeiros, ele se comunicou com o ministro do Brasil em Washington, Salvador de Mendonça. Em resposta a um telegrama enviado, ele relatou a falta de tempo, novamente, para viajar a Madrid e Portugal em busca dos documentos necessários e mencionou a desordem que prevalecia nesses arquivos.


Após suas pesquisas nos acervos europeus e em meio à agitação política no Brasil devido à Revolta da Armada, o Barão do Rio Branco embarcou no vapor Teutonic para Washington, nos Estados Unidos. Em junho de 1893, ele já incorporava em suas pesquisas um conjunto de documentos e estudos anteriores sobre a região em disputa, considerados indispensáveis, incluindo a obra "Apontamentos relativos à negociação do Tratado de Limites do Império com a Confederação Argentina", de autoria de Duarte da Ponte Ribeiro, publicada em 1876. Assim que se instalou, ele deu continuidade a uma intensa atividade epistolar com diversas personalidades e importantes estudiosos nacionais e estrangeiros, incluindo os franceses Élisée Reclus, Émile Levasseur e Henri Coudreau, bem como seu amigo Capistrano de Abreu, que o auxiliaram na redação da defesa da causa brasileira.


Ao assumir a missão, ele dispensou o advogado norte-americano William M. Ivins, contratado pelo falecido Barão de Aguiar de Andrada para preparar a defesa do governo brasileiro, aliás, o Rio Branco foi convidado para substitui-lo. Sob a posse do advogado William Ivins encontravam-se documentos originais e reproduções, tais como manuscritos e mapas pertencentes ao acervo da Biblioteca Nacional e do Arquivo da Secretaria do Ministério das Relações Exteriores. Além disso, outros documentos importantes estavam depositados na American Bank Note Company. Depois de dispensado da função, Ivins viajou para a Inglaterra. Preocupado com as possíveis consequências, como extravio ou entrega dos documentos aos argentinos, Rio Branco solicitou a intervenção direta do ministro do Brasil em Londres, João Arthur de Souza Correa. Na verdade, o Barão estava preocupado com a situação e acreditava que era um erro colocar um advogado administrativo e político em uma missão desse tipo. Ele argumentou com o ministro das relações exteriores que precisava de um copista e um tradutor de confiança, e que não concordava que um advogado estrangeiro redigisse um trabalho que deveria ser feito pela missão especial do Brasil.


O Barão do Rio Branco, além de trocar correspondências oficiais com os representantes das legações estrangeiras e o ministro das Relações Exteriores, mas também compartilhava informações íntimas em suas cartas. Em uma delas, lamentou suas “dores reumáticas” que o impediam de andar com facilidade. Além disso, Rio Branco estava envolvido na pesquisa documental e na redação de um documento para a defesa do Brasil, e comentou sobre a instabilidade política que o país atravessava na época.


Além disso, durante o período entre 1889 e 1902, houve uma falta de orientação na política externa do Brasil, refletida pela troca frequente de ministros das Relações Exteriores. Muitos desses ministros não tinham experiência diplomática ou não estavam familiarizados com os temas relacionados à política externa.



Crédito da Imagem: RICUPERO, Rubens.

José Maria Paranhos Junior, Barão do Rio Branco: Uma biografia fotográfica, p. 130-131.


De fato, em 1895, o presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland, reconheceu o direito do Brasil sobre o território disputado, o que fortaleceu a imagem do país internacionalmente. A vitória do Brasil no litígio de fronteira foi celebrada com uma marchinha dedicada a Rio Branco durante o Carnaval. A repercussão do parecer americano contribuiu para promover o patriotismo na recém-instalada república, que passava por crises sucessivas. Rio Branco foi fundamental nesse processo, assim como em outros litígios posteriores com a Guiana Francesa e a Bolívia, também vitoriosos para o Brasil.


Não por acaso, foi alçado a figura de herói nacional, e assumiu o cargo de ministro das Relações Exteriores entre 1902 e 1912, durante os governos dos presidentes Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. Durante esse período, negociou acordos de fronteiras com vários países, consolidando a imagem do Brasil de prestígio internacional como nação republicana. De acordo com o embaixador Luís Cláudio Villafañe G. dos Santos, com os acordos obtidos com Argentina, Uruguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Inglaterra, Holanda e França completava-se a obra da diplomacia imperial. O Barão se tornou uma figura popular e foi homenageado em vários lugares, incluindo a mudança do nome da Avenida Central para Avenida Rio Branco e o nome de escolas, praças, cidades, ruas e até a capital do Acre. No entanto, em 1912, Rio Branco faleceu durante o Carnaval, e a festa foi adiada em sua honra, embora algumas pessoas tenham desrespeitado a decisão. Aliás, um grupo de cariocas saiu cantando pelas ruas da cidade a seguinte marchinha: “Com a morte do barão, / tivemos dois Carnavá. / Ai, que bom, / ai, que gostoso / se morresse o marechá”.




Referências:

CARDOSO, Luciene P. Carris. Intelectuais, militares e instituições na configuração das fronteiras brasileiras (1883-1903). São Paulo: Alameda, 2016.

GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras no Brasil. São Paulo, Martins Fontes, 1999.

RICUPERO, Rubens. José Maria Paranhos Junior, Barão do Rio Branco: Uma biografia fotográfica. Rio de Janeiro: Funag, 2002. Disponível em: http://www.funag.gov.br/chdd/images/Publicacoes-CHDD/pdf/BRB_Uma_Biografia_Fotografica.PDF Acesso em: 15 abr. 2023.

SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. dos. Juca Paranhos: o Barão do Rio Branco. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

WESTIN, Ricardo. Morte do Barão do Rio Branco fez Brasil ter dois carnavais em 1912. Agência Senado, 28/02/2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/arquivo-s-barao-do-rio-branco-e-carnaval Acesso em: 15 abr. 2023.


*Luciene Carris é historiadora (UERJ). Dedico o presente texto ao historiador e amigo André Sena, grande admirador da figura de Barão do Rio Branco.

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