Rio de Janeiro, 20 de junho de 2024.
Antonio Edmilson Martins Rodrigues*
Não imaginei que no final da carreira e da vida tivesse tantas surpresas. Nesta terceira semana de junho de 2024 elas chegaram de montão. Veio a indicação do homenageado da FLIP – João do Rio. Com isso, recebi algumas solicitações relativas à reedição do meu livro João do Rio, a cidade e o poeta. Chegou a notícia do livro em minha homenagem que se materializou no fim da semana anterior com a organização de Amanda Danelli e Luciene Carris e um bando de amigos, ex-alunos, ex-orientandos.
Crédito da imagem: Editora Telha.
O primeiro choque diante do livro foi a capa de Flávio Pessoa, ex-aluno e amigo querido que me colocou no meio do burburinho da rua do Ouvidor do século XIX, eu colorido em um fundo branco. Maravilha. Ao abrir o livro me deparei com “Prelúdio ou carta aos leitores”, uma espécie de apresentação das organizadoras onde há o carinho delas e a descrição do meu trabalho de 53 anos na UFF, na PUC-Rio e na UERJ.
Aí vieram os textos dos amigos e uma dupla emoção. Uma pela surpresa daqueles que escreveram, pelo carinho e a generosidade que marcaram os escritos e, a segunda, pela qualidade dos mesmos, seja no sentido do desdobramento de determinadas proposições que fiz, ou por sua ultrapassagem. O discurso de minha recepção no IHGRJ feito por Paulo Knauss propiciou-me um segundo prazer de ouvir o meu amigo na leitura do livro.
Posse no Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro (10/11/2022).
Tomado por um turbilhão de emoções, minha cabeça já rodando, li o capítulo da cara amiga Amanda Danelli intitulado “Porque era ela, porque era eu: o cronista e a cidade”. Ela com muita oportunidade tomou passagens de Montaigne nas várias edições dos Ensaios onde a presença do amigo e da amizade se mostravam entre Montaigne e La Boétie para narrar as experiências afetivas que tivemos e vivemos desde a graduação, passando pela pós-graduação – mestrado e doutorado – e pela companhia como docente na UERJ. O fechamento do texto é uma bela reflexão sobre João do Rio combinando comigo e com ela. Amanda, Leo, Flora e Caetano são partes centrais de minha vida. Depositária de minhas emoções, Amanda é o meu elemento norteador. Seu olhar sempre indica como devo caminhar.
Surge, não mais que de repente, a voz do amigo Carlos Berriel, da longínqua Campinas com a dedicatória que para além de provocadora, tem o traço da ironia: “Para Edmilson com quem discuto o Modernismo paulista sempre com amor pelo Rio de Janeiro”. Repleto de erudição e recheado de provocações, Berriel entra no campo do debate do modernismo pela mão da tristeza brasileira de Paulo Prado e me levou a recordar a maravilha do título do seu livro sobre Paulo Prado: Tietê, Tejo e Sena. O título é mais comprido, mas para o que quero basta essa primeira parte, porque é um grande achado e tem a capacidade de dizer tudo.
Restaurante 28. Crédito da imagem: Júlia Andrade.
Quase tomado por sensações que não compreendia, leio com atenção o depoimento de outro amigo e também ex-aluno e ex-orientando, Carlos Eduardo Pinto de Pinto. Aquele que com toda a certeza manterá viva a disciplina de História do Rio de Janeiro na UERJ. Seu escrito realiza com maestria a narrativa do que eu fui no tempo. Traz em suas palavras a beleza de quem com os estudos descobriu uma cidade que não se dava a ver pela pedra, mas pela carne e até mesmo pelos perigos de pular o muro do Cemitério dos Ingleses e ir além com uma proposta renovadora para a interpretação da cidade através da mobilização da sua visualidade cênica e arquitetural. Tudo com um especial tratamento para os textos de João do Rio.
E as surpresas continuavam a cada página que se abria quando me deparei com o texto de Carmem Negreiros, amiga e estudiosa da Belle Époque carioca, que flana com “A flânerie de Antonio Edmilson e João do Rio”. Nessa aproximação, ela me envolve num labirinto realizando a análise da minha maneira de compreender João do Rio com tantos acréscimos dela, que vou incorporar ao livro novo que acabei de escrever sobre o poeta-pedestre.
Edmilson e Amanda Danelli na Confeitaria Colombo (2015).
Não tive condições de barrar as lágrimas quando li o escrito “A aula ensaio de Antonio Edmilson Martins Rodrigues”. Que coisa arrebatadora que só podia vir da alma poética de Daniel Pinha, que além de ex-aluno, ex-orientando e amigo, possui a sensibilidade à flor da pele, como João do Rio e próximo das minhas ansiedades, e que em seu texto combina ensaio teórico com as experiências advindas da sala de aula, vividas intensamente, me fazendo recordar passagens de minha vida que tinham fugido de minha memória. Devo pedir a ele que publique esse ensaio retirando a parte que me diz respeito. É uma publicação necessária para todos aqueles que têm vontade de viver a sala de aula com invenções, descobertas, ausências, presenças e desesperanças. É uma aula a “aula ensaio de Daniel Pinha”.
Com o coração em frangalhos, chego ao texto de Fabrina Magalhães Pinto. Vou revivendo momentos muitos especiais de minha vida quando ensinava História Moderna na UFF. Ela captou, como amiga, ex-aluna e ex-orientanda, a emoção que me envolvia e que me envolve até hoje ao ler e ensinar sobre a cultura moderna tendo como foco as cidades. Percebo em seu escrito, as marcas do que ela recepcionou daquelas aulas, num tempo em que ainda não haviam em sala telefones celulares e computadores. Hoje, Fabrina é uma das maiores autoridades em Humanismo e cultura política renascentista e indica isso quando no texto realiza a análise da “cidade ideal e os tempos modernos”. Foi muito bom ler o seu escrito porque ele me mantém ligado a uma área do conhecimento de que gosto e que me fizeram recordar os seminários em Campos, Campinas e Niterói.
Não sei se encontrarei tantos sinônimos para surpresas e emoções que possam ser usados aqui para comentar os próximos textos. Mas vamos lá. Agora reencontro meu amigo e ex-aluno Francisco Palomanes, que hoje vejo muito pouco, mas que teve uma grande importância na recuperação da Revista Rio de Janeiro e, daí, posso dizer que ele embora não tenha a cidade do Rio de Janeiro como centro de estudos, merece essa referência. Sua inteligência está presente no seu texto “Antero de Quental, a utopia e a tragédia”. Explico. Em primeiro lugar, a aproximação está no estudo de um açoriano como eu. Depois, há a relação entre utopia e tragédia que me remonta à cultura barroca. Por fim, não tenho ideia se ele fez na UFF algum curso meu sobre Civilização Ibérica, mas o texto central do curso sempre foi “Causas da decadência dos povos peninsulares” de Antero de Quental. Através da voz de Palomanes viajo para o meu viver primeiro e para a instigante experiência portuguesa de fim do século com as Conferências do Cassino. Além disso, Quico me fez pensar na possibilidade de aproximar Antero de Quental e João do Rio pelos estados de alma.
Meu ex-colega de trabalho e amigo mineiro que povoa a cidade do Rio de Janeiro com sua fala mansa e sensível, Henrique Estrada, ataca a minha emoção com um ensaio teórico que reúne três temáticas que me são muito caras: utopia, paixões e gastronomia. Neste ensaio Henrique, além de me provocar, anuncia os dizeres e falares dos saberes, dos sabores e dos prazeres da vida ao tomar Charles Fourier, socialista que tem tudo de utópico, com o círculo amoroso que combina cheiros e desejos. E ele, como bom mineiro, terminando coloca-me na parede: “Contra afetos tirânicos e moralismo amargo, à direita e à esquerda, essa utopia – bem temperada – ainda dá gosto! O que te parece, Edmilson?”
Na linha do que anotei no escrito de Fabrina, surge o texto do amigo, ex-colega de trabalho e co-autor de História Moderna, que prefiro chamar pelo subtítulo: “Os momentos fundadores da cultura ocidental”. Nesse livro fizemos a reunião de nossas reflexões sobre a primeira modernidade e, aqui, neste ensaio de João Masao Kamita, ele tomou alguns escritos meus sobre as cidades ideais. Seus comentários se tornam, para mim, presenças necessárias para pensar a cultura moderna e me fizeram lembrar a dupla que estabelecemos durante algum tempo na PUC-Rio nas disciplinas da área de História Moderna. Com a amizade de Masao, apurei meu gosto pela gastronomia japonesa. Juntos trocávamos figurinhas sobre sabores, cheiros e prazeres na mesa oriental. Estou devendo uma ida com ele e Isolda à Casa Ueda, do meu amigo Eric.
João Masao e Edmilson no lançamento do livro "História Moderna" (2018).
Depois meu coração bateu forte. “Dois homens e a cidade mulher: o Rio de Janeiro de Ed e de Edmilson” escrito pela amiga e colega da UERJ Júlia Andrade é tão delicado e forte, ao mesmo tempo, que me jogou para o alto, fiquei sem chão. Ao lê-lo, tantas coisas passaram pela minha cabeça, tantas lembranças. Com Júlia, junto com Berriel, conheci Campinas e Barão Geraldo. Provei a gastronomia e as festas da cidade. Rimos muito quando da defesa da Livre-Docência do Berriel no Bar do Nono. Aqui na cidade nos aproximamos mais e seu relato desses andares por aqui estão registrados em seu texto, sua amizade, seu carinho, a turma do 28, Dona Augusta e tudo que envolveu o Ed, ao mesmo tempo, que deu conta de maneira solidária e amiga do Edmilson. Júlia tem um lugar especial em minhas experiências de Rio de Janeiro, além de sua imagem sempre me lembrar do amigo que perdemos – o Gilmar – também colega da UERJ e com a mesma vontade que tínhamos de compreender a nossa cidade. Tudo isso muito bem acompanhado por suas fotos da festa do 28.
Como se não bastasse, encontro o texto de Juliana Oakim. Ex-aluna e amiga, que mantém junto comigo a paixão pelo inesperado na cidade com a competência que possui. Seu escrito chama-se “A alma encantadora de um historiador e seus escritos”. Ela chama de escritos meus, alguns que também são dela. Seu carinho caminha com alma pelas páginas por ela escritas ao comentar coisas que falei ou escrevi sobre bares, reformas urbanas, mas também foi testemunha de meus desesperos e agonias. Hoje temos a possibilidade de fazer muitos projetos juntos. Suas provocações, indagações e críticas são o melhor de nossas conversas no banco de madeira do Instituto Pereira Passos nas Laranjeiras. Elas ultimamente têm girado em torno das utopias e ela materializa isso com a sua arte, boa que é de desenho.
Luciene Carris já está presente em minha vida faz tempo. Somos parceiros em muitas atividades. Sua casa tornou-se o lugar que reúne pessoas que gostam de falar da cidade e de comer. As feijoadas de carnaval viraram tradição. Revemos amigos e tantas outras pessoas, todos os anos, na comilança que faço com a ajuda de muitos. Vários daqueles que estão presentes neste livro já provaram os sabores da casa. Sua reflexão, além do carinho nos relatos de minha vida, traz o seu lugar de reflexão sobre a cidade e o Jardim Botânico. A Casa Azul, como é conhecida a sua casa, produz vários projetos sobre a cultura urbana carioca com a ajuda eficiente de João Campos. O seu relato realizou a organização do que produzi como ações e projetos talvez porque esteve sempre muito perto de mim. Devo a ela boa parte do que constituiu a base do meu trabalho através da pesquisa de texto que se verifica no livro Da Colina Sagrada a Dente Cariado, dedicado ao desmonte do Morro do Castelo e à modernização carioca.
“Descortinando o Rio de Janeiro através da costura da Confeitaria Colombo e a cidade feita por Antonio Edmilson Martins Rodrigues” é o texto de outra amizade que nasceu por interesses, desejos e vontades de conhecer, de olhar, de ver e de ser pedestre na cidade. Luzimar Bernardo é uma mulher do mundo, enxerga como ninguém os detalhes do cotidiano carioca mesmo morando em São Paulo e faz isso através das pesquisas que realiza na Colônia de Pescadores do Posto 6 de Copacabana. Li com atenção os seus comentários sobre o que faço e escrevo e retiro deles avisos, indicações que com certeza estarão em artigos e livros futuros. Seu carinho junto com as suas lutas, que ela precisa registrar com maior profundidade, são exemplos de superações difíceis de encontrar. Sua amizade me faz ainda acreditar nas pessoas.
Preparativos para a feijoada. Pedro Muñoz e Edmilson.
Dois amigos e um texto chamado “Dois flâneurs da cena urbana carioca: João do Rio e Antonio Edmilson Martins Rodrigues”. Pedro Muñoz e Romulo Mattos são dois pesquisadores de mão cheia, com eles sempre aprendo muito, principalmente pela veia crítica que possuem. Como eu, olham para a cidade e tentam entendê-la. São formas diferentes de fazer essa tentativa, mas o resultado é importante. Romulo conheci na UFF, aluno brilhante, antenado com o mundo, experimentando muitas coisas que ultrapassavam a história, hoje é além de historiador um fazedor de instrumentos de corda, um luthier. Meu aluno em vários cursos na graduação da UFF tornou-se meu colega na PUC-Rio com uma competência exemplar, sofrendo os males das radicalizações e os medos da violência. Foi na UERJ e no bar do Baixinho que encontrei O Pedro e com ele criei uma amizade que deu frutos: ele foi o primeiro a fazer comigo a feijoada de carnaval quando experimentávamos como amadores os segredos da gastronomia, fazendo de muitos que citei cobaias. Sua competência reuniu a história à psicanálise e deu a ele um lugar especial na historiografia. O ensaio dos dois acrescenta muito às minhas reflexões, indicando caminhos possíveis e tratando com muita generosidade meu trabalho docente. Quero realçar que o ensaio assinado por eles é uma maneira de aprimorar o conceito de flâneur, ultrapassando os lugares comuns e abrindo caminho para uma caracterização que mobiliza, via Certeau, o pedestre.
Curso "O Rio não imitou Paris" com Juliana Oakim na Livraria Argumento.
Chego exausto de emoções à última parte do livro. É a entrevista que Andrea Casa Nova e Tatyana Maia fizeram comigo. Duas pessoas que fazem parte da vanguarda da história e das minhas amizades. Uma carioca, ex-aluna, que passou um tempo em Porto Alegre na PUC-RS e hoje é minha colega de trabalho na UERJ, junto com ela vivemos a alegria da amizade de Carlos Maia, saudoso amigo. A outra, mineira (apesar de nascida carioca), pesquisadora hard e professora competente da UFRJ. Com Andréa convivo, vivendo as estripulias de uma mineira ansiosa como eu por experimentar tudo que podemos. Elas foram aquelas que me roubaram as memórias com uma estratégia de história oral radical, comovendo-me. A competência de ambas transborda nas indagações que me fizeram, por serem especialistas na área. Elas colocaram no mundo minhas histórias.
Para finalizar quero chamar atenção para outras partes do livro. As orelhas, que são sempre importantes e por vezes perigosas, e a quarta capa. A orelha foi escrita por Rosa Maria de Araújo, minha amiga e grande colega, que sempre fez parte das minhas referências nos cursos com o seu livro “A vocação do prazer”. Quero agradecer a ela por ter participado da publicação e generosamente indicado que meus textos possuem originalidade, simpatia e encanto.
A quarta capa é de meu querido amigo José Carlos Rodrigues que está em minha vida faz tempo, pelo menos desde a universidade, o que deve fazer 57 anos. Como bom antropólogo, me conhece como poucos. Seu relato de nossas vidas é um documento que vou guardar com muito carinho, pois anunciam todas as suas qualidades interpretativas como em seus livros “O Tabu da Morte” e “O Tabu do Corpo” e que me ensinou muitas coisas da área de semiologia. Construímos juntos muitos projetos universitários e mantivemos o convívio na UFF e na PUC-Rio como professores. Quero terminar minha homenagem ao Zé completando uma coisa que anota na quarta capa e tem referência com minha avó Albertina.
Crédito da imagem: Amazon.
Zé e eu estudamos na UFF nos tempos sombrios do final da década de 1960. Ele cursando Ciências Sociais e eu História. Como tínhamos muitos amigos e amigas comuns, acabei fazendo muitos cursos na área de Antropologia. Nos finais de noite, depois das aulas, por vezes, jogávamos futebol na quadra que hoje deve servir a algum curso da UFF na rua Lara Villela em Niterói. Zé era um dos poucos que tinham carro, um Fusca. Isso se passou antes da construção da Ponte Rio-Niterói. Seu carro ficava estacionado na Praça XV. Eu morava na Aldeia Campista, entre a Tijuca e Vila Isabel, e ele em Copacabana. Um dia quando voltávamos de Niterói, a Praça XV estava inundada, a alternativa foi esperar. Quando melhorou, ele propôs me levar até a minha casa. Minha avó preparava o meu jantar, guardava no forno e ia dormir. Eu chegava por volta das 23 horas. Nesse dia da tempestade, já passava da meia-noite. Quando chegamos, convidei o Zé para repartir comigo o jantar. Minha avó portuguesa exagerava na quantidade. Sentamos na varanda, colocamos a comida numa mesa de vidro e comemos. A partir daí ganhei, muitas caronas para a minha casa. Zé provou a delícia dos temperos de minha avó e ficou fã da sua comida.
Quero agradecer muito a todos que tiveram a gentileza de se fazerem presentes neste livro em minha homenagem. Fiquei muito sensibilizado. Gostaria de me dirigir às organizadoras e dizer a elas que as considero minha família. Boa vida para todos e todas!
COSTA, Amanda Danelli; CARRIS, Luciene (Orgs.). A cidade e o poeta: Diálogos com o historiador Antônio Edmilson Martins Rodrigues. RJ: Telha, 2024.
**Antonio Edmilson Martins Rodrigues é historiador e professor (UERJ/PUC-Rio).
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